Excerto sobre os vícios de
O sinal dos quatro de Arthur Conan Doyle.
"Naquela tarde, contudo, não sei se por causa do Beaune que bebera ao almoço, se por estar mais exasperado devido à extrema premeditação da sua atitude, senti repentinamente que não me podia calar por mais tempo.
- Hoje o que é? – perguntei - , morfina ou cocaína?
Levantou os olhos languidamente do velho livro que abrira.
- É cocaína – respondeu -, uma solução a sete por cento. Quer experimentar?
- Claro que não – respondi bruscamente. – O meu organismo ainda não recuperou da campanha afegã. Não me posso dar ao luxo de o submeter a um esforço suplementar.
Sorriu perante a minha veemência.
- Talvez tenha razão, Watson. Creio que a influência da cocaína é fisicamente prejudicial. Acho-a, no entanto, tão transcendentemente estimulante e esclarecedora para o espírito que os seus efeitos secundários deixam de ter grande importância.
- Mas repare! – disse eu seriamente. – Quantos inconvenientes! O seu cérebro, como afirma, pode ficar desperto e excitado, mas trata-se de um processo patológico e mórbido que envolve uma elevada substituição de tecidos e pode, pelo menos, provocar uma permanente fraqueza. Sabe também como é negativa a reacção posterior. Na verdade, o jogo é demasiado arriscado para valer a pena. Por que há-de, para obter um mero prazer passageiro, arriscar-se a perder as preciosas faculdades com que foi dotado? Lembre-se que falo não apenas como amigo, mas também como médico, tendo em conta que, de algum modo, sou responsável pela sua saúde."